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Os segredos da mussarela campana

21 de setembro de 2018 - Por Roberta Gonçalves
Os segredos da mussarela campana

 

Os afrescos de Pompeia já denunciavam. Desde aquele período, a mozzarella di bufala era apreciada pelos comensais. As pinturas mostram mulheres carregando bandejas de comida em que se notam “bolinhas brancas” sobre os pratos. O historiador Caio Plínio Segundo — mais conhecido como Plínio, o Velho — refere-se a essas imagens apenas como formaggio. Hoje é considerada uma espécie de “ancestral” da mussarela de búfala que comemos hoje. Foi na região campana que se criou uma teia bem articulada, que se organiza e vigia toda a produção do queijo.

O processo começa já pela matéria-prima, com a criação e a reprodução dos animais, passando por rígidas técnicas de preparo e maturação nas fábricas, os caseifici. Mas a tradição também se conjuga com novidades, com a criação da ricota de búfala DOP, que promete mais sabor com menos calorias, e deve chegar ao Brasil no próximo ano. Quem não aguentar esperar pode fazer as malas e visitar diretamente uma dessas fábricas, na Campânia. Mas, antes de se acabar nas degustações, terá de aprender algumas técnicas de consumo e conservação do produto.

O Consorzio di Tutela Mozzarella di Bufala Campana DOP (Denominação de Origem Protegida), criado em 1981 e reconhecido pelo Ministério italiano de Políticas Agrícolas Alimentares e Florestais, é um dos principais órgãos que fiscaliza a produção local. A instituição abrange a Campânia e parte das regiões do Lácio e da Puglia. A região campana é a maior produtora e consumidora do produto, sendo Nápoles a cidade que mais a consome. Atualmente, o Consorzio monitora cerca de 1400 propriedades que criam búfalas, que envolvem 15 mil pessoas direta e indiretamente no processo. No exterior, os maiores compradores são França, Alemanha, Grã-Bretanha e Estados Unidos. Em 2017, foramproduzidas cerca de 47 mil toneladas do tipo Campana DOP, com um faturamento de 370 milhões de euros. No momento, as propriedades italianas que produzem leite de búfala no sistema DOP, de acordo com o Consorzio, criam um total de 345 mil cabeças, que atendem a 110 fábricas de mussarela (caseifici).

— Mas não são todas iguais. São 110 mozzarellas diferentes porque são artesanais; não se pode padronizar esse produto como uma linha industrial — explica Alfonso Cutillo, proprietário de uma dessas fábricas. Búfalas devem ser criadas perto das fábricas A propriedade que fornece leite para Cutillo localiza-se na mesma cidade de sua fábrica de mozzarella (caseificio), em Castel di Sasso. E essa proximidade não é por acaso. Trata-se de uma das exigências da lista de regras que normatiza a produção desse item: na área de origem DOP, o espaço de criação dos animais e o caseificio devem estar próximos. Por lá, são criadas 350 búfalas, que são ordenhadas apenas uma vez ao dia, pela manhã, para concentrar características do leite como aroma e
sabor de maneira mais marcada.

O local funciona há pelo menos 50 anos e atualmente é administrado pela terceira geração da família, que também deve se adequar àsnormas fiscalizadas pelo Consorzio — como a alimentação, que deve ser balanceada e incluir capim, cevada, feno, milho. Como não possuem glândulas sudoríparas, as búfalas precisam se banhar frequentemente para equilibrar a
temperatura do corpo, principalmente, no verão. Por isso, têm à sua disposição poças criadas propositalmente para se refrescarem no calor, além de períodos de passeio pelo campo, o que Cutillo considera fundamental.

— Em condições adequadas e respeitando o bem-estar do animal, elas podem viver entre 25 e 30 anos. É um tempo de vida muito mais longo do que o da vaca. As búfalas são animais que nasceram livres no pasto e, por mais que a ciência tente recriar condições de ambiente e alimentação, nada poderá substituir a qualidade do leite de um animal, que cresce e se alimenta em liberdade — avalia.

Consumo aumenta no verão europeu

Antes de nascer e desfrutar de sua liberdade, as búfalas ainda precisam de uma ajudinha da ciência no momento do parto. A mozzarella di bufala é um produto muito consumido no verão europeu; por isso a demanda maior pelo leite ocorre nessa estação do ano. Neste caso, o período de parto dos animais precisa ser deslocado, conforme explica Alessandro Garofalo, responsável do departamento de Pesquisa e Assistência do Consorzio di Tutela Mozzarella di Bufala Campana DOP:

— Normalmente, o ciclo reprodutivo bufalino realiza os partos no outono. Por isso, o período em que as búfalas devem parir é deslocado artificialmente para o verão, de modo que o fornecimento de leite possa ser maior também nessa estação do ano — explica Cutillo à Comunità.

A programação desse período é realizada por intermédio de inseminação artificial, que é mais difícil nas búfalas.




— Enquanto as vacas têm um aproveitamento de praticamente 100%, nas búfalas, ainda existe um índice de rejeição de cerca de 25% desse processo — afirma o empresário. No caseificio, a mozzarella di bufala campana DOP passa por mais uma série de exigências: é feita só com leite integral de búfala da raça mediterrânea italiana. O leite só pode ser usado até 60 horas, no máximo, depois de ordenhado. Na menor suspeita de doença, os animais são imediatamente afastados do fornecimento de leite e permanecem distantes durante todoo tratamento. Isso acontece porque a medicação que tomam pode apresentar vestígios em sua produção, como antibióticos e outros. Além disso, os antibióticos matam todas as bactérias do leite, inclusive aquelas que seriam necessárias para a produção.

— Tudo a 360 graus, não se pode descuidar de nada. Leite puro, antes de tudo. Isso significa animais saudáveis e alimentação correta. Só depois de constatar esses requisitos, podemos iniciar o processo de produção da mussarela, seguindo rigorosamente as normas disciplinares — garante.

Ricota de búfala Campana DOP deve chegar ao Brasil em 2019

Minutos antes de ficar pronta, a massa da mussarela desliza suavemente pelas mãos habilidosas de Cutillo, ganhando formato de trança em poucos segundos:

— O casaro deve ter alma de artesão para moldar a mozzarella com as mãos. Cada peça tem um tamanho diferente e um formato único — orgulha-se, do alto de suas quatro décadas de experiência no ofício, agora transmitida aos filhos.

Após ficarem prontos, os produtos são avaliados por um especialista em uma mesa de degustação do caseificio. Por ali, passam a tradicional e a defumada (provola affumicata), típica da Campânia. É uma iguaria usada principalmente em receitas napolitanas, com cor diferente e sabor mais marcado, e leva cerca de 30 minutos a mais para ficar pronta. Nas degustações, chamam atenção também a crosta fiorita, uma espécie de brie feito de leite de búfala, eo stagionato, queijo curado dentro de ânforas e sem contato com o ar,armazenado em grutas e de textura extremamente cremosa.

A “irmã mais nova” dessa turma, presente nas degustações, é a ricota de búfala Campana DOP. Criada há cerca de dois anos, a ricota DOP já ganhou até organismo próprio de vigilância, o Consorzio per la Tutela della Ricotta di Bufala Campana. Já comercializada na Itália, a ricota DOP tem previsão de chegar ao mercado externo, incluindo o Brasil, no próximo ano, conforme explica o jovem presidente do Consorzio, Benito La Vecchia:

— Estamos trabalhando para que nosso produto chegue ao exterior em 2019. O público vai ganhar uma belasurpresa porque, além de ser extremamente saborosa, a ricota de búfala é low-calorie e muito nutritiva: tembaixíssimo índice de gordura, mas ériquíssima em cálcio e fósforo. Diferente da mozzarella di bufala, a cor e o sabor da ricota de búfala permanecem inalterados após sua produção, mesmo depois de 21 dias — revela.

E La Vecchia tem razão. Com a composição extremamente delicada, a iguaria demanda alguns cuidados antes de ser consumida, desconhecidos por grande parte do público. Ao adquiri-la diretamente da fábrica (caseificio), não basta guardá-la na geladeira e consumi-la até a data de validade. Cutillo cita umasérie de cuidados que, se bem executados, podem render uma experiência de degustação muito mais prazerosa:

— Estamos falando de um produto vivo. Se o consumidor o leva para casa, coloca na geladeira a quatro graus e consome três dias depois, estará consumindo outro produto, não aquele que vendemos aqui. O prazo ideal para consumi-la é, no máximo, 24 horas depois de produzida, em temperatura ambiente. Após esse prazo, pode durar até 20 dias no refrigerador. Mas, a cada hora, perde uma característica de sua composição, no aroma, no sabor ou na cor. Além disso, na hora de comer, a mussarela fresca deve ser cortada delicadamente, em vez de ser despedaçada, pois, assim, se sente mais o perfume do fermento lácteo — ensina.

Italianos presenteiam família e amigos com mussarela de búfala

Esses cuidados no consumo da mussarela de búfala, novidade para muitos estrangeiros, já são uma praxe para a maioria dos italianos da região, que inseriram definitivamente seu consumo na cultura gastronômica local, um pouco como a feijoada para os brasileiros. Nas mesas napolitanas, ela é consumida pelo menos uma vez por semana, principalmente nos almoços de domingo, onde é um prato indispensável, e até em datas comemorativas, como explica Garofalo, do Consorzio di Tutela Mozzarella  di Bufala Campana DOP:

— Na cultura local, é usada também como presente de Natal, de Páscoa e até para agradecer algum tipo de serviço, como depois da consulta médica, por exemplo — explica.

Por aqui, um dos motivos pelo qual o produto não aparece com tanta frequência à mesa dos brasileiros é o (alto) preço nas prateleiras. Domenico Raimondo, presidente do Consorzio di Tutela Mozzarella di Bufala Campana DOP, explica alguns motivos que justificam esses valores:

— É um produto que exige transporte delicado, por isso, sua exportação tem uma logística mais complexa. Deve viajar sob temperatura monitorada, com líquido de controle, o que dobra seu peso na hora de calcular as despesas. Esses custos se refletem no preço do produto final. No exterior, sabemos que não é propriamente um item consumido pela massa. Normalmente, o público que consome esse produto já tem uma boa cultura gastronômica — argumenta.

Cursos

Para aprender os segredos da preparação da mussarela de búfala autêntica, o consorzio oferece cursos aos públicos italiano e estrangeiro. As aulas normalmente vão de outubro a maio. Quem tiver interesse em obter mais informações deve enviar e-mail para formazione@mozzarelladop.it

Visita

Quem ficou com água na boca e pretende incluir uma visita a uma das fábricas de mussarela DOP no seu próximo roteiro deve acessar o site do consorzio www.mozzarelladop.it/soci, escolher o local e se deliciar!

Serviço

Consorzio di Tutela Mozzarella di Bufala Campana DOP
Reggia di Caserta
Regie Cavallerizze
Via Gasparri 1, Caserta – Campania

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A revista ComunitàItaliana é a mídia nascida em março de 1994 como ligação entre Itália e Brasil.

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