A partir deste sábado, um dos murais mais famosos do mundo poderá ser visto nos seus mínimos detalhes através de um computador, em qualquer parte do planeta. A obra-prima virtual foi realizada recompondo 1.677 imagens registradas com tecnologia de ponta.
O trabalho foi feito com a ajuda de uma técnica especial de iluminação criada para não danificar a pintura original.
O material pictórico é muito sensível à emissão de raios ultravioleta, assim como ao impacto térmico do flash.
A Última Ceia sobreviveu, sem nenhum arranhão, às nove horas de sessões fotográficas. Muito pouco perto dos quatro ou cinco anos gastos por Leonardo da Vinci para criar o original. O resultado é um quebra-cabeças de 16.945.790.099 pixels que, juntos, formam o mural falso mais verdadeiro da história.
Ela pode ser vista no site www.haltadefinizione.com.
Na Memória
Ao contrário do que muitos pensam, o artista desenhou o mural com uma técnica de pintura a seco e a óleo, e não a usada tradicionalmente em afrescos. Por isso ele tem a delicadeza e a fragilidade de uma aquarela.
Normalmente, A Última Ceia é exposta sob um tênue véu de luz indireta, apenas o suficiente para dar uma boa impressão a olho nu. E os visitantes estão proibidos de tirar fotografias, com ou sem flash. Eles devem guardar na memória as impressões e as emoções daquele momento único.
Todos os dias, quase mil admiradores desfilam diante do mural. Ele ocupa uma das paredes do refeitório do antigo convento Santa Maria delle Grazie, no centro de Milão.
Os visitantes formam grupos de 25 pessoas e somente podem ficar 15 minutos diante da parede pintada pelo gênio italiano.
A cena, descrita na Bíblia, mostra o último encontro de Jesus Cristo com os apóstolos e o anúncio da traição de Judas.
Esta não é a primeira vez que a obra é fotografada. No começo do século passado, A Última Ceia foi retratada em preto e branco através da proteção de grandes vidros. E durante os anos 80, sempre de acordo com as tecnologias mais avançadas da época, o mural também foi retratado em cores.
Desta vez a profundidade e nitidez cromáticas reveladas pela mega-fotografia supera em duas vezes a qualidade das imagens digitais convencionais.
Sofisticados programas de computador e processadores de última geração garantiram o sucesso da operação, impensável pouco tempo atrás por causa das dimensões do mural.
O mural mede 4,6 por 8,8 metros.
A obra-prima de Leonardo da Vinci foi feita entre os anos de 1494 e 1498. O mestre alternava momentos de intensa atividade com longas pausas.
Ao longo dos séculos as expressões e os gestos das figuras continuam a encantar gerações. A herança artística em versão digital irá proporcionar a cada curioso ou turista virtual uma visão tão próxima da realidade como se fosse um restaurador trabalhando no mural, a poucos centímetros da parede.
A última restauração foi feita entre 1977 e 1999, pela italiana Pinin Brambilla.
Ela foi passada a limpo e muitas partes originais foram reveladas depois de descobertas sob estratos de trabalhos anteriores. Outras foram irremediavelmente perdidas.
A Última Ceia, versão digital, é capaz de proporcionar ao pesquisador mais acurado a identificação dos traços intocáveis do mestre e aqueles retoques mais recentes, realizados para recuperar o conjunto. Somente não será possível respirar o cheiro da tinta e nem sentir mistério na pele.
A obra representa um dos patrimônios artísticos mais estudados em todo o mundo. O mural continua sendo uma fonte inesgotável de interpretações, leituras místicas ou não. Pesquisadores de fim de semana, diletantes, chegam até mesmo a encontrar partitura de música e diálogos “lendo” o posicionamento das figuras.
O best-seller mundial O Código da Vinci também tem com trama central a obra do artista.
A Última Ceia digital chega em boa hora. O original está sendo ameaçado pela poluição ambiental.
As partículas em suspensão são trazidas pelos próprios turistas, cerca de 350 mil ao ano.
E já se fala em fechamento por temporadas para a proteção da obra. Vê-la na tela do computador pode servir de consolo e cada um vai poder dar asas à imaginação diante de um dos murais mais enigmáticos já feitos.
O projeto foi financiado, em parte, pelo Ministério para os Bens e as Atividades Culturais da Itália.
Fonte: BBC Brasil