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Entenda o que muda com o novo decreto sobre a cidadania italiana — e quais os próximos passos

10 de abril de 2025 - Por Comunità Italiana
Entenda o que muda com o novo decreto sobre a cidadania italiana — e quais os próximos passos

O governo italiano anunciou uma reforma estrutural na lei que rege a concessão da cidadania por descendência, conhecida como ius sanguinis, no dia 28 de março. As novas regras têm gerado dúvidas entre os milhões de brasileiros com origem italiana. Neste guia em formato de perguntas e respostas, a Comunità Italiana explica o que foi decidido, quem será afetado e o que ainda pode acontecer. 

O que o governo italiano anunciou?

O governo da Itália anunciou, no dia 28 de março, uma reforma na lei da cidadania por direito de sangue, chamada de “ius sanguinis”. A principal mudança é que a cidadania só poderá ser concedida a filhos e netos de italianos nascidos na Itália. Essa decisão exclui bisnetos e descendentes mais distantes. Portanto, impacta milhões de pessoas da comunidade italiana no Brasil e de outros países. 

Também é possível requerer a cidadania se um dos pais for cidadão e tiver morado na Itália por pelo menos dois anos consecutivos antes do nascimento ou da adoção do filho. As regras valem independentemente da data de nascimento do ítalo-descendente. Elas não afetam processos em andamento. 

Como era a regra antes dessa mudança?

Não havia limite de gerações. Qualquer pessoa que conseguisse comprovar a descendência de um italiano poderia solicitar o reconhecimento da cidadania, desde que cumprisse os requisitos legais. Era necessário conseguir comprovar que havia um ancestral vivo após o dia 17 de março de 1861, quando foi fundado o Reino da Itália. 

Com esse formato, a lei italiana era uma das mais “generosas” com as comunidades de descendentes no exterior. Hoje há no Brasil cerca de 730 mil cidadãos italianos. Segundo o Consulado Italiano em São Paulo, os pedidos de cidadania subiram de 14 mil em 2022 para 20 mil em 2023. A Argentina também registrou tendência de alta. O governo italiano estima que a comunidade de ítalo-brasileiros seja de 30 milhões de pessoas. 

O que diz o governo da Itália para justificar essa decisão? 

O ministro das Relações Exteriores da Itália, Antonio Tajani, afirmou que “houve abusos de pedidos de cidadania ao longo dos anos”. Tajani afirmou que de 2014 até 2024 o número de cidadãos italianos residentes no exterior aumentou de 4,6 milhões para 6,4 milhões. Um crescimento de 40% em uma década.

“Ser cidadão italiano é uma coisa séria. A concessão da cidadania não pode ser automática para quem tem um ascendente que emigrou há séculos, sem qualquer ligação cultural ou linguística com o país”, afirmou o ministro. Ele também dizia que era preciso acabar com “o uso de nossa nacionalidade para se ter um passaporte no bolso e ir fazer compras em Miami”. Atualmente, existem mais de 60 mil processos judiciais pendentes para o reconhecimento da cidadania.

As pessoas realmente estavam burlando a lei? 

É pertinente reconhecer que há fundamento na argumentação apresentada pelo governo italiano. De fato, era possível observar que o processo de aquisição da cidadania italiana passou, em determinados contextos, a ser tratado como uma “mercadoria ofertada no mercado”. Houve, também, práticas abusivas por parte de intermediários e despachantes. No entanto, é importante destacar que tais agentes se valeram de lacunas existentes na legislação vigente, o que limitou a possibilidade de melhor intervenção por parte do Estado italiano.

Por exemplo: muitos descendentes muito distantes que não tinham nenhum contato com o país começaram a entrar com processos oferecidos por escritórios de advocacia na Itália para receber a cidadania. Para burlar a lei, ficavam um período, em torno de dois meses, em casas em cidades pequenas da Itália, para que o “vigile” passe e constate que são oriundos e residentes em território italiano. Logo depois, iam embora com a garantia de que o processo de cidadania seria aprovado. 

Reparação histórica

O reconhecimento da cidadania italiana às gerações descendentes de imigrantes não é apenas uma questão de vínculo jurídico ou cultural, mas uma forma de reparação histórica. Entre 1870 e 1920, mais de 13 milhões de italianos deixaram o país em busca de melhores condições de vida em locais como Brasil, Argentina, Estados Unidos e outros países. Diante desse contexto, estudiosos e juristas defendem que a concessão da cidadania às gerações seguintes desses migrantes configura uma forma de reconhecimento e justiça histórica, uma forma de o Estado italiano assumir e reafirmar os laços com suas comunidades no exterior.

Brasil em destaque global com cidadanias

De acordo com dados da União Europeia em 2023, o Brasil foi o sexto país com mais cidadãos a conseguirem cidadania do continente, atrás de Síria, Marrocos, Albânia, Romênia e Venezuela. Nesse cenário, 44% dos brasileiros se tornaram cidadãos europeus através da Itália, 20% pela Espanha e 19% por Portugal. 

E agora? 

Com essa nova regra já vigente, descendentes de italianos que nasceram no exterior só podem ter a cidadania se tiverem um antepassado italiano com duas gerações de diferença – ou seja, um pai ou avô. Portanto, quem teve um bisavô italiano ou ancestrais mais distantes não pode mais solicitar. Além disso, a verificação dos documentos será reforçada e mais rigorosa a partir de agora. 

“O sistema atual compromete a eficiência dos escritórios administrativos e judiciais italianos, que sofrem pressão de pessoas que viajam à Itália apenas para acelerar o processo de reconhecimento da cidadania, o que também favorece fraudes e práticas irregulares”, afirmou o governo.

Afirmou, ainda, que a reforma será completada por um segundo projeto de lei que também revisará os procedimentos para o reconhecimento da cidadania. “Os residentes no exterior não se dirigirão mais aos consulados, mas a um escritório especial centralizado no Ministério das Relações Exteriores. Haverá um período de transição de aproximadamente um ano para a organização do referido escritório”.

Há chance de reverter essa decisão?

Ainda não há informações sobre revisões ou exceções. A medida vai ser discutida no Parlamento nos próximos dois meses. A medida tem apoio do governo italiano, que tem maioria tanto na Câmara quanto no Senado. Organizações de descendentes de italianos podem pressionar por alterações. Há um abaixo-assinado online que obteve cerca de 101 mil assinaturas até o dia 10 de abril. A esperança da oposição é conseguir fazer algumas alterações ou até bloquear a discussão. 

Para o jurista Walter Maierovitch, Professor de Direito Penal e Processual Penal, a cidadania, como ensinam os constitucionalistas italianos, é o status jurídico daquele que pertence a um determinado Estado nacional. “O decreto-lei Tajani, ao limitar a cidadania, acarretará, com o passar do tempo e das gerações, a perda da italianidade”, avalia. 

Para Maierovitch, uma vez aprovado o projeto Tajani, que tem “vícios de inconstitucionalidade”, o resultado será o enfraquecimento da italianidade (sentir-se pertencente pelos costumes, pela língua, pela cultura). Ele exemplifica com seu caso familiar. “Sou da segunda geração com cidadania. Transmiti aos meus filhos e netos o recebido dos meus avós. Uma vez aprovado o projeto, os meus bisnetos serão, na Itália, estrangeiros. Tudo irá mudar”. 

(Com informações da ANSA, Corriere della Sera, Agência Brasil, BBC e La Stampa)

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