Diante Dela, a peste recuou

Milagrosa Madonna degli Angeli, a Nossa Senhora dos Anjos. Em evento religioso marcado por profunda emoção e muita fé, a imagem da santa originária de Sacco, na Itália, chega à cidade de Niterói
Madonna degli Angeli, Nossa Senhora dos Anjos. Da Itália para o Brasil. De Sacco para Niterói. De Sacco para Nova Iorque. De Sacco para o mundo. Fé capaz de atravessar continentes. Fiéis católicos da santa tiveram a oportunidade de, no dia 19 de agosto, venerar sua imagem, trazida do outro lado do Atlântico para terras fluminenses.
E nessa ponte entre Itália e Brasil, alguns papéis foram protagonizados por oriundos. Como Carmine Pascale, pároco da igreja de São Judas Tadeu (padroeiro das causas impossíveis) de Icaraí, Niterói. O templo teve o privilégio de receber a imagem de Nossa Senhora dos Anjos vinda do belpaese. Nascido no Rio de Janeiro há 56 anos, mas com origens na província de Potenza, região da Basilicata, no sul da Itália, padre Carmine contou um pouco à Comunità sobre a história da sua família:
— Meu pai, Rocco Pascale, veio de Satriano di Lucania. Minha mãe, Antonietta Pace, 84 anos, é de Picerno, estabeleceu-se no Brasil há mais de 60 anos. Meu pai já é falecido. Foi comerciante, vendeu peixe, teve outras atividades. Morou em Nova Friburgo, depois em Niterói. Trabalhou também no ramo imobiliário — disse o sacerdote, desde 2001 na igreja de São Judas Tadeu, de Icaraí, na qual assumiu a função de pároco em 2004.
Muita emoção
Em cerimônia emocionante, a réplica de Nossa Senhora dos Anjos chegou ao templo católico dedicado a São Judas Tadeu saudada pelos fiéis. Primeiro, ela foi levada ao terraço da igreja, com vista privilegiada para a Baía de Guanabara, cartão postal de Niterói, da qual também se vê a cidade do Rio de Janeiro. Depois, a estátua foi levada para o interior do templo.
Na sua pregação, padre Carmine Pascale alternou sermão em português e em italiano, língua que também domina. Desse modo, mais pessoas puderam entender a homenagem. Entre as quais devotas e devotos da santa na Itália e em outros cantos do mundo. Principalmente italianos radicados em Nova Iorue, que assim como a cidade fluminense recebeu imigrantes de Sacco, cidade de 23 quilômetros quadrados na província de Salerno, região da Campânia, na Itália meridional. A cerimônia foi transmitida pelo canal da igreja de São Judas Tadeu no YouTube.

O clássico santinho com a figura de Nossa Senhora dos Anjos e a oração dedicada a ela foi distribuído a todos que acompanharam a missa nas versões em português e em italiano. Padre Carmine também agradeceu a seu “xará” o cantor Carmine Marasco pelas performances de Ave Maria e Panis Angelicus durante a cerimônia.
Após a celebração da missa, a imagem de Nossa Senhora foi levada à capela da igreja de Niterói. A estátua, de um metro de altura, foi produzida em Nápoles, na oficina de arte de Costabile Cantone, famoso escultor que cria presépios e imagens sacras também para o Vaticano. A réplica, antes de vir para o Brasil, passou por Sacco, onde também se realizou missa e procissão em sua homenagem, em junho passado, com a benção do pároco local, Dom Ernesto Annunziata.
Milagrosa!
Angelina Cerasuolo Petraglia, natural de Sacco e há 59 anos residente no Brasil, resumiu com precisão o significado da Madonna degli Angeli em sua terra:
— Ela é tudo. É milagrosa! — definiu a imigrante radicada em Niterói.
Pietro Petraglia, diretor-presidente do Grupo Comunità, falou sobre a ideia de trazer Nossa Senhora dos Anjos para a cidade do estado do Rio de Janeiro:
— A Madonna degli Angeli é muito venerada em Sacco por ter sido atribuída a ela a eliminação da peste. De uma conversa com o prefeito de Sacco, Franco Latempa, surgiu a ideia. Eu disse a ele que poderíamos unir nossos sacchesi de Sacco, Nova Iorque e Niterói por meio do simbolismo que representa nossa Madonna, que não é padroeira da cidade. O padroeiro de Sacco é São Silvestre, que tem lindíssima catedral lá. Sacco, que já teve 2.500 habitantes, hoje conta apenas com pouco mais de 400 e a grande maioria migrou para Niterói e para Nova Iorque. Por isso tivemos essa ideia.

Além de Pietro Petraglia, outros devotos de Niterói foram importantes para a vinda da imagem da santa a terras fluminenses: Pietro Accetta, Angelo Latempa, Luiz Araújo, Domenico Accetta, Domenico Sabato Accetta, João Mônaco. Isso tudo sem falar no apoio de outros, como o presidente da Associação Sacchesi da América, Pasquale Masullo, nos Estados Unidos. Para o ano que vem, há projeto de reunir sacchesi e oriundos da Itália, do Brasil e de Nova Iorque em Niterói. Entre outros aspectos, será ainda boa oportunidade para incrementar o turismo entre os vários países.
Houve também algum italiano radicado em outro estado brasileiro que veio a Niterói prestigiar a festa em homenagem a Nossa Senhora dos Anjos, como o napolitano Rosario Zaccaria. Devoto também de São Januário (San Gennaro), ele é vice-presidente da Câmara de Comércio Italiana de São Paulo. No Brasil desde 2015, Zaccaria trabalha como engenheiro eletrotécnico da Enel, multinacional italiana de geração e distribuição de energia. Ele pretende aproveitar esses tipos de eventos para estreitar os laços culturais entre os dois países em diversas áreas.
Peste cessa
Padre Carmine lembrou que no dia 15 de agosto é festejado o dia da assunção de Nossa Senhora ao céu. A data, chamada de Ferragosto, é muito comemorada na Itália, onde é feriado. No belpaese é verão nessa época, em que, por sinal, muitos italianos estão de férias.
— Como no Brasil não é feriado, aqui celebramos no fim de semana seguinte ao dia 15 de agosto — explica o padre.

Também em agosto celebra-se o dia da Madonna degli Angeli na Itália. Mas em outra data, dia 2 do mesmo mês. Como reza a tradição católica, em 2 de agosto apareceu uma contusão na mão da Virgem que lembrava um tumor inflamatório da peste que assolou aquelas terras em 1656. Foi justamente nessa data que o contágio cessou, conforme a tradição.
A partir de então a fé na Santa milagrosa se fortaleceu e ainda hoje é reproduzida em solenes celebrações em honra a Nossa Senhora dos Anjos. Antes disso, grande parte da população de Sacco havia sido dizimada: dos aproximadamente 900 habitantes da cidade naquele tempo, somente 250 sobreviveram à peste.